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Sem alimentação e internado há seis dias na rede pública, adolescente tem risco de morte

“O Gabriel é nosso bebê”. A frase, emocionada, é parte do relato do drama vivido nos últimos dias por Bruno Matos e Eliana Campos, pais de Gabriel Campos de Matos, de 14 anos, internado desde a última terça-feira na unidade de Coordenação de Emergência Regional (CER) do Centro do Rio. Carecendo de cuidados especiais, o menino já está há seis dias sem alimentação na unidade da prefeitura. Segundo o laudo médico, o estado de saúde é grave com risco iminente de morte, e a unidade não dispõe de equipamentos para a nutrição enteral necessária — realizada por meio de um tubo ou sonda.

O menino, portador de neuropatia, deu entrada com pneumonia e está em coma induzido. Desesperados, os pais recorreram ao plantão do Tribunal de Justiça (TJ) na última quinta-feira, de onde saíram com uma decisão favorável: uma tutela de urgência que ordenava a transferência de Gabriel para um hospital que tenha Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica, com cuidados necessários. Em caso da falta de vagas, a decisão judicial ainda cita que o paciente “deve ser transferido e internado” para um hospital da rede privada.

— Nós íamos andando todos os dias da Gamboa, onde moramos, até o Tribunal de Justiça. Foram sete quilômetros caminhando durante as noites. Chegamos às 18h e saímos por volta de 1h todos os dias. Acampamos. Só que nada mudou, meu filho está morrendo, literalmente, de fome dentro de um hospital — esbravejou Bruno, com os olhos avermelhados das últimas noites mal dormidas, na porta do TJ.

No último ano, o número de processos na saúde quase duplicou: foram 52 mil na área, segundo levantamento do Tribunal de Justiça — 25 mil a mais do que no ano anterior.

Decisão tem sido descumprida

Apesar de toda a luta e dificuldades enfrentadas pela família, Gabriel permanece no CER-Centro, em estado grave. A decisão tem sido descumprida, mesmo com multa estabelecida de R$ 2 mil por hora, durante as primeiras 24 horas, e R$ 5 mil por hora, na sequência.

— Nós estamos lutando pelo que é de direito para que nosso filho não morra. Ele está definhando na cama do hospital e ninguém faz nada, o Estado não respeita nem as ordens judiciais — lamentou Eliana, mãe de Gabriel e de outras três crianças.

CER do Centro, ao lado do Hospital Souza Aguiar (Arquivo)
CER do Centro, ao lado do Hospital Souza Aguiar (Arquivo) Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Em nota, a Central de Regulação do município informaou, no fim da manhã desta segunda-feira, que Gabriel será transferido para uma UTI pediátrica no Hospital Federal da Lagoa, Zona Sul do Rio. “O paciente está sendo preparado para a transferência pela unidade de origem”. A nota destaca ainda que a direção da Coordenação de Emergência Regional (CER) está à disposição dos familiares para esclarecimentos sobre o atendimento prestado.

De acordo com o CER-Centro, a unidade não dispõe de serviço de fisioterapia respiratória e de fonoterapia, “os quais são essenciais para os cuidados do paciente”. Na decisão do juiz de plantão Diego Fernandes Silva Santos, expedida na noite do último domingo, os pais do menino tiveram de indicar três hospitais particulares e, neles, serão procuradas vagas para que a prefeitura do Rio arque com os gastos do tratamento.

— O Gabriel é nosso bebê, só queremos cuidar dele — relatou o pai.

Casos se multiplicam pelo estado

Para Manoel Santos, de 54 anos, respirar tem ficado mais difícil. Tanto que, em alguns dias, não consegue nem deixar a cama. O morador de Realengo, na Zona Oeste do Rio, sofre de hipertensão arterial pulmonar, um mal cujo remédio custa R$ 2.383 a caixa que dura um mês. Sem condições de pagar pelo medicamento, o jeito também foi recorrer à Justiça.

— A gente recorre de todos os lados. Só não tenho dinheiro para comprar o Bosentana 125mg, que custa mais de R$ 2 mil, nem pagar de advogado. Já entreguei todos os lados e documentos, mas demora a sair a decisão — diz o paciente que tomou o remédio pela última vez em agosto do ano passado porque conseguiu uma doação.

O pedido de Manoel é para o Ministério da Saúde comprar o medicamento, já que a Rio Farmes, rede de farmácias da Secretaria estadual de Saúde do Rio, não entrega, como deveria, o remédio ao paciente desde março do ano passado. Na Justiça, o trâmite demora por conta do grande número de pedidos como o dele. Mais da metade (51,9%) dos processos relacionados sobre Saúde, em 2018, foram solicitações de medicamentos.

O desembargador Werson Rego afirmou que a maior parte dessas ações são de medicamentos de alto custo, como o de Manoel, ou de substâncias que ainda não foram liberadas pela Anvisa, como as substâncias derivadas da maconha. Ele afirma que pacientes com epilepsia grave, por exemplo, conseguem obter a autorização judicial para importar remédios à base de canabidiol, extraído da planta.

— O número de ações na Justiça aumentou no Rio por dois fatores. De um lado, há maior cobrança da sociedade que faz com que o cidadão saiba mais seu direito e vá atrás dele e, do outro, a falência do atendimento no setor público do estado. A qualidade dos serviços piorou e reduziram a oferta. Além disso, mais pessoas com dificuldades financeiras ficaram inadimplentes ou perderam o plano de saúde e sobrecarregam o já sobrecarregado serviço público. A judicialização da saúde tem dois lados da moeda. De um, o paciente que tem direito de correr atrás do direito dele. Do outro, o estado que tem recursos limitados para atender necessidades infinitas e precisa aplicar os recursos de maneira razoável e eficiente.

Um desses conflitos que nascem da combinação entre recursos escassos e alta demanda é a de internações. Esta corresponde a uma parte significativa, segundo o desembargador, das ações da Justiça que envolvem a saúde. Nelas, pacientes que estão em hospitais sem recursos buscam uma vaga em unidades com mais possibilidades. O problema é que, nos últimos anos, há sistematicamente mais doentes do que leitos. Por isso, as famílias podem conseguir até duas ou três liminares na Justiça exigindo a transferência que um paciente pode passar quase duas semanas esperando — e resistindo — até começar os exames mais especializados e, a partir daí, o tratamento.

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