Família virando MEI: O novo golpe dos planos de saúde para reajustar sem freio

O mercado de planos de saúde no Brasil vem passando por uma distorção preocupante: muitos planos classificados como “coletivos” são, na prática, meramente familiares. Essa manobra estratégica das operadoras visa driblar o controle da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), permitindo reajustes abusivos e colocando o consumidor em situação de risco contratual elevado.


Como as operadoras usam “falsos coletivos empresariais”

As operadoras praticamente abandonaram a venda de planos individuais ou familiares — que são regulados pela ANS e têm limites de reajuste — para oferecer planos coletivos empresariais ou por adesão.
Muitas vezes, esses contratos são firmados para famílias inteiras usando CNPJs de microempreendedores individuais (MEIs) sem funcionários, pequenas empresas familiares ou associações que não possuem vínculo real com o contratante.

Assim, as operadoras fogem do controle rigoroso da ANS, já que os planos coletivos não têm limite de reajuste imposto pelo órgão. Consequentemente, aplicam aumentos de 20%, 30%, 40% ou mais em um único ano, sem justificativa transparente ou apresentação de planilhas atuariais — podendo ainda rescindir contratos de forma unilateral.


Principais sinais de um “falso coletivo”

  • Contratos feitos usando MEI sem funcionários ou empresa familiar formada apenas por parentes.
  • Associação ou entidade de classe da qual o consumidor nunca participou ou que existe apenas para viabilizar o plano.
  • Corretor orienta abrir um CNPJ alegando ser “mais vantajoso”, sem explicar os riscos.
  • Inexistência de coletividade real: todos os beneficiários têm vínculo familiar direto.
  • Número reduzido de beneficiários, geralmente dois ou três membros da mesma família.
  • Estipulante (empresa ou associação) sem atividade econômica real, servindo apenas como instrumento para contratação.
  • Reajustes muito acima da média do mercado (mais de 20% em um único ano).

Impacto dos reajustes abusivos

Ao driblar as regras da ANS, as operadoras impõem aumentos elevados sem detalhamento técnico e chegam a rescindir contratos abruptamente, inclusive de clientes em tratamento.
O consumidor fica com poucos mecanismos de defesa, já que planos coletivos são pouco regulados, o que propicia práticas contratuais desleais e imprevisíveis.


Entendimento dos tribunais e decisões judiciais

O Judiciário já reconhece que muitos desses planos “coletivos” são, na verdade, planos familiares disfarçados.
A Justiça tem:

  • anulado reajustes abusivos,
  • substituído os índices aplicados pelos da ANS,
  • determinado a devolução de valores pagos a mais.

Tribunais e o STJ consolidam a tese de que, sem coletividade real, o contrato deve ser tratado como plano familiar para fins de proteção ao consumidor.

Decisões recentes também:

  • aplicam os limites de reajuste da ANS;
  • proíbem cancelamentos unilaterais imotivados (exceto por fraude ou inadimplência);
  • asseguram a manutenção do plano durante tratamentos;
  • vedam cláusulas abusivas.

O que fazer diante de reajustes abusivos ou rescisão?

  • Solicite à operadora a planilha de cálculo da sinistralidade. A falta de transparência reforça indício de abuso.
  • Registre uma Notificação de Intermediação Preliminar (NIP) na ANS, o que pressiona a operadora e gera base para futura ação judicial.
  • Busque judicialmente:
    • aplicação dos índices da ANS;
    • revisão dos reajustes;
    • restituição de valores pagos a maior;
    • manutenção do contrato, caso o plano seja considerado familiar.

Opinião do colunista

A chamada “falsa coletivização” tornou-se, na prática, o maior instrumento de transferência de risco ao consumidor na saúde suplementar. É um arranjo comercial calculado para deslocar os beneficiários justamente para o ambiente onde há menos controle e maior possibilidade de abuso.

Enquanto a ANS não enfrenta o problema de forma estrutural, o Judiciário segue como o único contrapeso capaz de restabelecer algum equilíbrio.
O consumidor, seduzido por promessas de economia e modernidade, acaba assumindo um ônus desproporcional, preso em contratos que são coletivos apenas no papel — mas custam como se fossem individuais em sua pior versão.


Para dúvidas: Instagram — @souzanunes.advs

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