Contrariando discurso, gestão Benedita da Silva registrou o pior índice de letalidade policial da história

A fala da deputada federal Benedita da Silva (PT), de que teria governado o Rio de Janeiro “sem disparos” da polícia durante operações, provocou reações e trouxe novamente à tona dados históricos que apontam o contrário.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), o período entre abril e dezembro de 2002, quando Benedita esteve à frente do Palácio Guanabara, registrou 1.195 mortes em ações policiais — o maior número da história até então, superando até os anos mais violentos da década anterior.

Benedita assumiu o governo em abril de 2002, após a renúncia do então governador Anthony Garotinho, que deixou o cargo para disputar a Presidência da República.
Durante sua gestão, as forças de segurança enfrentaram uma escalada de confrontos entre o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, principalmente em áreas da zona norte e oeste do Rio, e o aumento das incursões em comunidades resultou em mais mortes de civis e também de policiais.

Segundo levantamentos da época, a média mensal de mortes decorrentes de intervenção policial superava 130 vítimas por mês, em um período em que o estado ainda não possuía protocolos de uso progressivo da força, câmeras corporais ou mecanismos de controle externo das operações.

Garotinho rebate fala e esclarece prisão de Beira-Mar

O ex-governador Anthony Garotinho, que antecedeu Benedita, reagiu às declarações da deputada e contestou sua versão sobre a prisão do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

“A deputada Benedita da Silva está equivocada ao afirmar que prendeu Beira-Mar. Todo policial sabe que, durante a minha gestão, tanto como governador quanto como secretário de Segurança, a prioridade foi prender os líderes do Comando Vermelho, no Brasil ou no exterior”, disse Garotinho.

Segundo ele, a prisão de Beira-Mar ocorreu em abril de 2001, um ano antes de Benedita assumir o cargo, durante uma operação conjunta das polícias brasileira e colombiana, com apoio da ONU.

“A primeira tentativa de captura foi no Paraguai, mas ele fugiu. Depois, em ação articulada com o então presidente colombiano Andrés Pastrana, conseguimos prendê-lo em território colombiano”, explicou.

O retrato da violência em 2002

Os registros do ISP mostram que o ano de 2002 foi um dos mais violentos da história do Rio. Além das 1.195 mortes em ações policiais, o estado registrou aumento nos índices de homicídios dolosos, confrontos armados e desaparecimentos forçados.
Analistas de segurança pública afirmam que a alta letalidade se deveu à ausência de políticas de prevenção e ao modelo de confronto direto adotado pelas forças policiais da época, que priorizavam incursões ostensivas em comunidades dominadas por facções.

“A política de segurança daquele período ainda se baseava na lógica da ocupação e do enfrentamento. Não havia uma estratégia integrada de inteligência, nem controle externo sobre a atividade policial”, avalia um pesquisador da UFRJ ouvido pela reportagem.

Os dados do ISP indicam que, entre 1998 e 2002, a letalidade policial cresceu mais de 70%, atingindo seu ápice justamente no segundo semestre de 2002 — auge do governo Benedita.

Comparações com o cenário atual

Atualmente, a discussão sobre violência policial e atuação do Estado volta a se repetir em outras regiões do país. A Bahia, governada por Jerônimo Rodrigues (PT), lidera hoje o ranking nacional de mortes em operações, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Apesar disso, as críticas políticas e pedidos de responsabilização são pontuais, reforçando o debate sobre a coerência no discurso político em torno dos direitos humanos e da segurança pública.

“O que se vê é uma seletividade na crítica. Quando os dados de letalidade ocorrem em gestões de oposição, há grande repercussão; quando acontecem em governos aliados, há silêncio. Isso enfraquece o debate e a busca por soluções reais”, observa o analista.

Um debate que atravessa governos

Independentemente da coloração partidária, o Rio de Janeiro segue enfrentando o desafio de reduzir a violência policial sem abrir mão do combate ao crime organizado.

“A segurança pública no Rio é um problema histórico e político. O foco deveria ser o cidadão, e não o embate ideológico”, resume o especialista ouvido pela reportagem.

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