
Como posso dizer que amo a Deus, a quem não vejo, sem amar o outro, a quem vejo? Essa pergunta, baseada na Primeira Carta de São João, nos leva a uma reflexão profunda sobre a autenticidade do nosso amor. Mais do que palavras, esse amor se manifesta em gestos concretos, no cuidado e na atenção às necessidades do próximo.
Os tempos atuais têm sido marcados por um foco excessivo no “eu”, onde o individualismo frequentemente ocupa o centro, relegando o “outro” à periferia das nossas preocupações. No entanto, psicólogos e filósofos insistem que sair de si mesmo e ir ao encontro do próximo é um caminho transformador, que não só ajuda quem recebe, mas também enriquece quem dá. Dar esmola, acolher um necessitado, oferecer tempo ou escuta são atos que rompem as barreiras do egoísmo e nos colocam em contato com a nossa humanidade.
Os estudiosos apontam que a gratuidade da generosidade – o ato de ajudar sem esperar nada em troca – tem um poder incrível de nos humanizar. Isso está alinhado com o ensinamento de Jesus, que nos pede para fazer o bem em segredo: “Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita” (Mt 6,3). Esse anonimato no ato de amar é uma prova de que nossa ação não busca reconhecimento humano, mas reflete o amor divino.
Emmanuel Levinas, filósofo judeu, nos convida a contemplar a ética do rosto do outro. Ele ensina que, ao olhar para o rosto de uma pessoa, somos interpelados a sair do nosso mundo fechado e a assumir responsabilidade pelo outro. Essa perspectiva nos lembra que o próximo não é apenas alguém distante, mas aquele que está ao nosso alcance imediato – um irmão em sofrimento, um idoso solitário, uma criança carente.
Ir ao encontro do outro é uma prova de amor. É construir uma sociedade de solidariedade e justiça, onde as necessidades do próximo sejam também nossas. Há tantas realidades onde poderíamos fazer a diferença: visitas a doentes, apoio a projetos sociais, partilha de bens materiais ou apenas um gesto de acolhida a quem passa despercebido.
No final, é o encontro com o outro que nos aproxima de Deus. Porque, como nos lembra a Sagrada Escritura, quem não ama o próximo, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Que possamos abrir nossos olhos e nossos corações, e, com gestos de amor gratuitos, levar esperança e vida ao rosto do outro – o rosto de Deus entre nós.