O pacote fiscal apresentado na última quarta-feira (27) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não caiu no gosto dos investidores, do mercado e de parte dos especialistas em contas públicas.
O estresse dos agentes econômicos influencia nas estimativas de inflação, o que por sua vez é observado de perto pelo Banco Central (BC) em sua missão de controlar a alta dos preços. E com a tensão agravada pelo pacote fiscal, espera-se que os juros encerrem o ano ainda mais restritivos do que o previsto anteriormente.
O nível das despesas públicas vinha subindo num ritmo que levou o governo a revisar suas metas para os próximos anos. Em abril, foi anunciado que o objetivo para 2025 passaria de obter um superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para déficit zero. Desde então, o comportamento do Executivo frente as contas públicas não sai do radar do mercado.
Quando foi sinalizado que um pacote de reajuste deveria ser divulgado após as eleições municipais, o mercado passou a precificar suas expectativas em torno de qualquer ponta sobre o anúncio. A demora já vinha estressando os agentes econômicos, e com o anúncio insatisfatório, a deterioração piorou.
Além de as propostas terem sido apontadas como insuficientes para estabilizar a dívida pública, a avaliação é de que o governo errou ao anunciar a medida de isenção do Imposto de Renda (IR) em paralelo ao pacote de contenção.
“Se o Banco Central adotar uma política monetária menos rigorosa do que o necessário, a resposta do mercado será mais desvalorização cambial. Esse cenário reforça os desafios para o real nos próximos meses”, indaga André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online.
“Além da autorização do IR e do pagamento de precatórios, outros impulsos fiscais previstos para 2025 devem acelerar o crescimento econômico além do ritmo desejado pelo Copom. Essa conjuntura exigirá uma política monetária mais austera, com juros elevados, tanto para conter a inflação quanto para enfrentar a pressão cambial.”
O primeiro boletim Focus do ano apontava que a taxa Selic, o juro básico do país, que à época vinha em trajetória de queda, deveria encerrar o ano em 9%. Em nenhum momento, porém, os juros chegaram ao dígito único em 2024.
O último relatório publicado até o momento, cujo inquérito foi realizado na semana até 22 de novembro, apontava uma Selic terminal de 11,75%, ou seja, apontava que o Comitê de Política Monetária (Copom) – a mesa de diretores do BC que decide o nível dos juros – iria elevar a taxa em 0,5 ponto porcentual na sua última reunião do ano, que será realizada entre os dias 10 e 11 de dezembro.
Mas agora, com o pacote fiscal em mãos, há quem aponte que o BC deve acabar endurecendo ainda mais na sua próxima reunião.
“A meu ver a decepção com as medidas do executivo transferiram boa parte do calor para o Congresso e para o Banco Central. Para pensar na trajetória do dólar neste final de ano, toda a atenção deverá ser colocada na próxima reunião do Copom. O mercado vai cobrar não apenas um aumento de no mínimo 0,75 ponto percentual na Selic, mas também um comunicado que renove de forma incisiva o compromisso de trazer a inflação para meta, além de decisão unânime”, escreveu Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, em nota.
No caso do banco de investimentos JP Morgan, a previsão é ainda mais drástica: a instituição prevê que o Copom elevará a taxa básica de juros em 1 ponto percentual, colocando-a acima de 12%; e aumentou sua projeção da Selic ao fim do atual ciclo de alta de 13% para 14,25%.
Analistas do JP Morgan avaliam que o pacote falhou “em recuperar credibilidade da política econômica”.
Cabe agora aguardar a divulgação dos últimos dois boletins Focus – um deles que sai na manhã desta segunda-feira (2) – antes do encontro dos diretores do BC para entender se a mediana do mercado precifica a postura mais dura.
O BC e o fiscal
Em suas cinco reuniões realizadas desde maio, o Copom vem ressaltando em seus comunicados que acompanha de perto os desdobramentos da política fiscal do governo.
“A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal tem afetado, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco e a taxa de câmbio”, escreveram os diretores no comunicado da reunião do dia 6 de novembro.
Naquela ocasião, o BC – que já havia retomado o ciclo de alta dos juros após um período de queda e um de estabilidade – optou por acelerar a Selic em 0,5 ponto percentual, levando-a ao atual patamar de 11,25% ao ano.
“O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida, com a apresentação e execução de medidas estruturais para o orçamento fiscal, contribuirá para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, explica o comunicado.
Durante evento na quinta-feira (28), ao ser questionado sobre o tratamento que o Copom dá ao cenário fiscal, Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC, reiterou que não cabe ao colegiado “extrapolar a alçada da política monetária”.
“A bola do Banco Central é sempre inflação, todas as outras variáveis entram em análise quando tem algum canal de transmissão para inflação no horizonte”, enfatizou Galípolo.
A questão que ele explica está no fato de que, no momento em que os investidores começam a deteriorar suas expectativas, a incerteza afeta o rumo da economia do país. “O que angustia a todos nós é a desancoragem das expectativas de inflação. E a leitura sobre o fiscal é sempre ligada à expectativa de inflação”, conclui o diretor.
E é exatamente por conta disso que o pacote fiscal pode levar o BC a adotar juros ainda mais restritivos, segundo Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia do ASA.
“Ao invés do pacote de medidas fiscais trazer alento às condições de mercado, elas trouxeram novas preocupações. Não vemos o limite do arcabouço sobrevivendo de 2027 em diante, pela necessidade de incorporação de precatórios à regra. Assim, entendemos que a não realização destas estimativas se transformam em bloqueios de despesa discricionária em 2025 e 2026, como é hoje, e em 2027 haveria uma nova discussão de regra de despesa”, pontua Bittencourt.
“A isenção apresentada é uma medida reconhecidamente regressiva, e as compensações poderiam ter destinação mais efetiva, como reduzir a carga tributária da atividade produtiva, do consumo ou mesmo melhorar o resultado primário e reduzir o patamar dos juros”, conclui.