MPF solicita urgentemente, através do sistema judiciário, a contratação de médicos oncologistas na Rede SUS do Rio

Após a primeira cirurgia para remoção de um tumor cerebral, o aposentado Francisco Antônio da Silva, de 72 anos, foi informado pelo médico que precisava iniciar o tratamento com urgência. Orientado a buscar uma clínica para ser incluído no SER, uma das filas de regulação, ele só foi encaminhado para a primeira consulta no Hospital Federal do Andaraí (HFA) sete meses depois. Esse período é muito maior do que os 60 dias estabelecidos pela Lei federal nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para o início do tratamento do câncer.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o caso de Francisco não é isolado e está relacionado à falta de profissionais, uma situação que o MPF está buscando reverter ao entrar com uma ação civil pública na Justiça Federal na semana passada, solicitando uma liminar para que o Ministério da Saúde contrate, de forma urgente, médicos oncologistas clínicos e técnicos patologistas para os hospitais e institutos federais responsáveis pelo tratamento do câncer no Rio de Janeiro. “Estamos exigindo a contratação urgente de profissionais por meio de contratos temporários da União, mas com salários atrativos para os profissionais. Os dois últimos concursos, em 2020 e 2022, não tiveram interessados. Além disso, também solicitamos a realização de um concurso público para a incorporação de novos servidores efetivos, algo que não ocorre desde 2009”, diz a procuradora da República Marina Filgueira, uma das signatárias da ação.

Durante os sete meses de espera pelo início do tratamento após a cirurgia realizada em fevereiro de 2021 no Hospital Miguel Couto, Francisco relata que a doença retornou, o que exigiu uma nova operação em agosto do mesmo ano. A primeira consulta no HFA para tratar o câncer só ocorreu no mês seguinte, em setembro. “Logo após a primeira cirurgia em fevereiro, que foi urgente, a médica me deu um papel e disse para eu procurar com urgência uma Clínica da Família para ser inserido no sistema de regulação e iniciar o tratamento. Mas isso demorou a acontecer. A quimioterapia só começou em novembro (de 2021), no Inca”, conta Francisco.

“Impacientamos muito durante esses sete meses de espera pelo início do tratamento. Sabíamos que a doença poderia voltar. E foi exatamente isso que aconteceu”, lembra Ilma de Oliveira, de 42 anos, que acompanhava o marido Francisco em uma consulta de acompanhamento na última quinta-feira, no HFA: “Mas, graças a Deus, o pior não aconteceu”. De acordo com a procuradora Marina Filgueira, a estratégia do Ministério da Saúde de contratar profissionais por meio de concursos temporários não está mais surtindo efeito devido aos baixos salários oferecidos e ao vínculo de trabalho precário, com renovação a cada dois anos.

“A situação do tratamento oncológico está em um estado crítico. Isso é público e notório, e não é algo recente. A maior carência é de oncologistas clínicos, responsáveis pela prescrição dos tratamentos, e de técnicos patologistas, responsáveis pelo diagnóstico do câncer, o qual está levando mais de quatro meses para ser realizado, enquanto a legislação (Lei nº 12.732) estabelece um prazo de 30 dias. Não vemos uma ação efetiva do Ministério da Saúde para resolver essa questão”, afirma a procuradora.

Um médico oncologista que trabalha na rede pública revela a magnitude do problema: “Na rede privada, um médico recebe R$ 1.500 por 24 horas de serviço. Já na rede pública, a mesma carga horária está na faixa de R$ 600 a R$ 800. É muito abaixo”, diz o profissional, que preferiu não se identificar: “A situação está caótica. Já recebi ligações de pacientes dizendo que estão aguardando o resultado de uma biópsia há oito meses. Isso causa uma grande angústia, tanto para o paciente quanto para o médico, que deseja ver o paciente sendo tratado”. A ação civil pública apresenta dados sobre a redução no atendimento e a desorganização na oferta de tratamento oncológico na Rede SUS do Rio. A comparação traz números entre 2018 e 2021 compilados pela Superintendência de Regulação da Secretaria Estadual de Saúde do Rio. Houve uma redução de 30% nas unidades do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

“É uma redução significativa. Além de não haver aumento nos atendimentos ao longo dos anos, não foi possível manter a oferta devido à falta de profissionais. A estrutura existe. O que falta são pessoas para trabalhar”, afirma Marina Filgueira.

Por outro lado, houve um aumento na demanda no Hospital Federal dos Servidores do Estado, de 1.185 atendimentos em 2018 para 2.070 em 2021. No entanto, o MPF constata que esse aumento não ocorreu nas áreas com maior necessidade. “Há uma oferta excessiva em casos de neoplasias de pele e cirurgia plástica reparadora, que não conseguimos preencher devido à absoluta falta de demanda. Seria necessário aumentar a oferta em cirurgia hepatobiliar, cirurgia torácica, cirurgia geral, cirurgia de tireoide, além de retomar a oferta em ginecologia oncológica”, afirma trecho da ação civil pública.

O caso mais grave é o do Hospital Federal de Bonsucesso. Conforme destaca a ação, o hospital já estava com seu serviço de oncologia clínica fechado desde 2019 devido à falta de médicos especialistas e, após o incêndio ocorrido em outubro de 2020, vem enfrentando ainda mais dificuldades para retomar as atividades.

“A unidade continua sem oncologistas clínicos e também não possui médicos e técnicos em patologia em número suficiente para preparar as amostras necessárias para o diagnóstico e estadiamento do câncer”, ressalta a ação

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