No fim de julho, Andrew Torba, executivo-chefe da rede social alternativa Gab, alegou, sem provas, que os membros do exército americano que se recusassem a se vacinar contra o coronavírus enfrentariam corte marcial. Seu post no Gab teve dez mil curtidas e compartilhamentos.
Duas semanas antes, a alegação infundada de que pelo menos 45 mil mortes se deviam à vacina contra a Covid circulou on-line. Os posts que divulgaram essa informação tiveram quase 17 mil visualizações no Bitchute, plataforma de vídeo alternativa, e pelo menos 120 mil visualizações no aplicativo de bate-papo criptografado Telegram, no qual foi compartilhada principalmente em espanhol.
Na mesma época, o principal conselheiro científico britânico disse erroneamente que 60 por cento dos pacientes hospitalizados tinham sido vacinados duas vezes. Corrigiu depressa a declaração, dizendo que 60 por cento não tinham sido vacinados. Mas grupos antivacina on-line aproveitaram seu erro, traduzindo a citação para o francês e o italiano e postando-a no Facebook, no qual recebeu 142 mil curtidas e compartilhamentos.
A desinformação relativa ao coronavírus aumentou nas últimas semanas, segundo especialistas em desinformação, agora que pessoas que vendem mentiras aproveitaram a onda de casos da variante delta para espalhar narrativas infundadas, novas ou recicladas.
As menções a alguns temas que tendem à desinformação sobre vacinas em julho foram até cinco vezes maiores que a taxa de junho, de acordo com a Zignal Labs, que monitora menções nas mídias sociais, na televisão a cabo e em publicações impressas e on-line. Algumas das inverdades mais prevalentes garantem que as vacinas não funcionam (até 437 por cento), que contêm microchips (até 156 por cento), que as pessoas devem confiar em sua “imunidade natural” em vez de se vacinarem (até 111 por cento) e que as vacinas causam aborto (até 75 por cento).
Tais alegações haviam diminuído por volta da primavera setentrional, à medida que o número de casos de Covid despencava. Em comparação com o início do ano e com 2020, houve uma queda observável no volume de desinformação nesse período. (A pesquisa da Zignal não é uma contabilidade de cada peça de desinformação, mas o crescimento de certos tópicos pode ser um medidor aproximado de quais temas são mais usados como veículos para a desinformação.)
A última onda ameaça frustrar os esforços para aumentar as taxas de vacinação e combater o aumento dos casos. A grande maioria das pessoas que recebeu resultado positivo nas últimas semanas e quase todas as que foram hospitalizadas com coronavírus não foram vacinadas. Especialistas em saúde pública, bem como médicos e enfermeiros que tratam os pacientes, apontam que a desinformação está levando à hesitação vacinal.
Pesquisadores da desinformação dizem que o aumento mostra que os esforços das plataformas de mídia social para reprimir a desinformação sobre o vírus não foram bem-sucedidos. “Essas narrativas estão tão arraigadas que as pessoas podem continuar espalhando essas histórias antivacina a cada nova variante que surgir. Estamos vendo isso com a delta, e vamos ver com o que vier a seguir”, afirmou Rachel E. Moran, pesquisadora da Universidade de Washington que estuda teorias da conspiração on-line.
Nas últimas semanas, a grande maioria dos posts com maior engajamento nas redes sociais contendo desinformação sobre o coronavírus era de pessoas que ganharam destaque ao questionar as vacinas no ano passado.
Em julho, a comentarista de direita Candace Owens se aproveitou do erro do conselheiro científico britânico. “Isso é chocante! Sessenta por cento das pessoas internadas com #COVID19 na Inglaterra tomaram duas doses de uma vacina contra o coronavírus, de acordo com o principal conselheiro científico do governo”, escreveu ela.
Depois que o consultor científico, Patrick Vallance, corrigiu-se, Owens adicionou a informação correta na parte inferior de seu post no Facebook, que já fora curtido ou compartilhado mais de 62 mil vezes – dois terços de suas interações totais – nas três horas antes de sua atualização, mostrou uma análise do “The New York Times”. Ao todo, houve 142 mil curtidas e compartilhamentos no Facebook, a maioria proveniente do post de Owens, de acordo com um relatório do Virality Project, consórcio de pesquisadores de desinformação de grupos como o Observatório da Internet de Stanford e a Graphika.
Quando procurada para comentar, Owens disse em um e-mail: “Infelizmente, não estou interessada no ‘The New York Times’. As pessoas que me seguem não levam suas matérias a sério.”
Também em julho, o advogado Thomas Renz apareceu em um vídeo afirmando que 45 mil pessoas haviam morrido por causa das vacinas contra o coronavírus. A alegação, já desmentida, baseia-se em informações não verificadas do Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas, banco de dados do governo. A alegação infundada havia sido incluída em um processo que Renz abriu em nome de um “denunciante” anônimo, em coordenação com o America’s Frontline Doctors – grupo de direita que espalhou desinformação sobre a pandemia no passado.
O vídeo de Renz teve mais de 19 mil visualizações no Bitchute. A alegação infundada foi repetida pelos principais canais do Telegram em espanhol, por grupos do Facebook e pelo site de conspiração Infowars, com mais de 120 mil visualizações em todas as plataformas, de acordo com o Virality Project.
Renz escreveu em um e-mail que seu escritório havia “realizado a diligência necessária” para garantir a exatidão das alegações no processo que abrira e que, “na verdade, não acreditamos que a administração Biden seja responsável por isso; ao contrário, acreditamos que o presidente Biden, como o presidente Trump antes dele, foi enganado pelo mesmo grupo de burocratas”.
Recentemente, Torba, o executivo-chefe do Gab, anunciou que estava “sendo inundado” por mensagens de texto de membros das forças armadas que garantiram que seriam levados à corte marcial caso se recusassem a tomar uma das vacinas contra o coronavírus. Os líderes militares pressionam pela vacinação e o secretário de Defesa Lloyd Austin decretará a obrigatoriedade das vacinas contra o coronavírus até setembro, mas não há provas de que os militares planejem levar à corte marcial quem não se vacinar.
O post de Torba obteve dez mil curtidas e compartilhamentos no Gab, segundo dados do Virality Project. Documentos que ele incluiu no site de notícias do Gab para ajudar os membros das forças armadas a solicitar isenção de vacina, inclusive por razões religiosas, também continham desinformação.
Um dos documentos usou um antigo ponto de discussão antivacina que diz que células de fetos abortados foram usadas no desenvolvimento dos imunizantes contra a Covid-19 – mas grupos católicos e antiaborto declarara, que as vacinas são “moralmente aceitáveis”. Os documentos conquistaram até 2,2 milhões de seguidores no Facebook, de acordo com dados do CrowdTangle. “Estou dizendo a verdade. Seus ‘verificadores de fatos’ financiados pelo Facebook, como o Graphika, estão errados, e são os que espalham desinformação aqui”, garantiu Torba em um e-mail.
O Facebook, que se tornou mais agressivo ao aplicar sua política contra a desinformação do coronavírus no último ano, continua sendo um destino popular para quem divulga desinformação. O Media Matters for America, grupo progressista de monitoramento, encontrou mais de 200 grupos públicos e privados no Facebook, com cerca de 400 mil membros, que se dedicavam ao debate antivacina. Esses grupos, que o “The Times” analisou, receberam 13 mil novos membros nos últimos sete dias, de acordo com o Media Matters.
Muitos dos posts mais populares nos grupos não incluíam mentiras explícitas. Um deles era uma imagem de um personagem do Scooby Doo desmascarando um fantasma com uma legenda que dizia: “Vamos ver o que te torna mais assustadora que todas as outras variantes.” O desmascaramento revelou o logotipo da MSNBC e o da CNN, implicando que os canais a cabo estavam exagerando a gravidade da variante delta.
Mas, como os comentários em muitas das outras páginas, aqueles feitos no post do Scooby Doo continham alegações infundadas, incluindo até mesmo incitação à violência. “A China é completamente culpada. Vamos acabar tendo de enfrentá-la, por isso defendo um ataque nuclear preventivo”, dizia um deles.
O Facebook afirmou ter removido violações confirmadas de sua política contra a desinformação do coronavírus nos comentários, e que havia enviado informações confiáveis sobre o vírus aos usuários. “Continuaremos a punir qualquer conta ou grupo que viole nossas políticas da Covid e das vacinas”, escreveu Aaron Simpson, porta-voz do Facebook, em um e-mail.
c. 2021 The New York Times Company