Boas notícias! A Google vai gastar US$1 bilhão nos próximos 3 anos para pagar aos editores por suas notícias. Especificamente, o dinheiro irá licenciar o conteúdo dos editores para 1 novo recurso no Google News chamado Google News Showcase.
São US$1 bilhão que os editores não tinham antes, e é melhor ter US$1 bilhão do que não ter US$1 bilhão. (Ou foi o que me disseram.) Estou diretamente no campo do “take-the-money” aqui.
Não há nada fora do comum ou errado nisso. Trabalhar a favor dos próprios interesses é algo comum no capitalismo. É o que grandes corporações fazem. Porém, você deve manter isso em mente antes de se surpreender com 1 número de 10 dígitos.
E quando 1 anúncio corporativo como esse parece não fazer sentido algum em uma perspectiva direta de lucro e prejuízo, é provavelmente sobre atender a uma necessidade mais profunda em outro lugar –neste caso, a necessidade da Google de ser amada o suficiente para continuar sub-regulamentada.
Como eu argumentei em junho, a última vez que a companhia teve a cobiçada manchete “Google irá pagar editores por notícias” —as gigantes de tecnologia estão geralmente satisfeitas com a ideia de assinar alguns cheques aos editores. Afinal, elas têm o dinheiro e as reclamações dos publishers sobre o duopólio são uma dor de cabeça de longa data e 1 problema de relações públicas. Se a Google e o Facebook podem encontrar uma forma de pagar para que isso desapareça, então farão isso.
A chave, no entanto, é que isso tem que ser feito nos termos das empresas —não dos publishers, e certamente não dos (arrepios) governos. Eis o que elas querem:
- Escolher quais publishers receberão o dinheiro. E determinar (e manter em segredo) quanto cada 1 ganha. As empresas não querem que isso se torne uma obrigação equivalente para todo mundo que publica qualquer coisa na internet;
- Querem que o dinheiro pague por algum produto secundário novo, não seus grandes geradores de dinheiro (a pesquisa para a Google e o feed de notícias para o Facebook). Querem ter certeza de que o negócio não é: “estamos devolvendo aos editores parte do dinheiro que eles pensam que lhes roubamos todos os dias“. E sim: “vamos ser parceiros em algo novo“;
- Querem que a quantia atraia manchetes felizes como “Google promete US$ 1 bilhão para publishers de notícias”, tirar a imprensa de cima deles e, idealmente, diminuir os apelos para que seja feita uma regulamentação ou tributação governamental.
O anúncio da Google preenche os 3 resquisitos.
A companhia está escolhendo em quais países ela quer começar licenciar notícias e de quais publicadores ela quer a licença. O Google News Showcase tem atualmente “quase 200” publishers na Alemanha, Brasil, Argentina, Canadá, Reino Unido e Austrália.
Em alguns países, os parceiros anunciados são grandes marcas como o Spiegel, Frankfurte Allgemeine Zeitung, Zei na Alemanha; e Folha, Estadão e UOL, no Brasil. Em outros países, os parceiros de lançamento são 1 pouco confusos: no Canadá, os parceiros são a Narcity Media (dona de 1 blog sobre Montreal) e a Village Media (dona de 16 sites locais em Ontário). Não firmaram acordo com veículos tradicionais como o Globe and Mail e o Toronto Star ou os principais jornais regionais da Postmedia.
Mas, uma coisa conecta todos eles: em cada 1 dos 6 países mencionados, o Google foi ou está sendo alvo de esforços antitruste ou outras tentativas de controlar seu poder de mercado.
A Google quer deixar claro que não considera esse dinheiro uma compensação por alguma coisa errada que tenha feito aos publishers. (Para o registro, creio que o “erro” mais importante que a Google teve em relação aos publishers é superá-los — ao fazer produtos para anunciantes e consumidores que ambos os grupos consideram muito mais convincentes do que o que os publishers oferecem. Mas a maioria dos editores não vê as coisas dessa maneira). Em vez disso, é algo novo, uma nova chance de fazer 1 novo acordo financeiro.
Eis como o CEO do Google, Sundar Pichai, descreveu o Google News Showcase —e, a propósito, o fato de Pichai ser o frontman deste anúncio é 1 bom sinal do valor de RP que a Google vê aqui:
“Este compromisso financeiro —nosso maior até o momento— irá pagar aos publishers para que criem e realizem uma curadoria de conteúdo de alta qualidade para uma diferente forma de experienciar notícias online. Google News Showcase é 1 novo produto que irá beneficiar tanto publishers quanto leitores: conta com a curadoria editorial de redações premiadas para dar aos leitores mais insights sobre as histórias que interessam e, no processo, ajudar os editores a desenvolverem relacionamentos mais profundos com sua audiência.
O News Showcase é composto por painéis de notícias que aparecerão inicialmente no Google News no Android. O produto será lançado em breve no iOS, e logo estará no Google Discover and Search, no futuro. Esses painéis darão aos publishers participantes a habilidade de “empacotar” as histórias que aparecem dentro dos produtos de notícias do Google, proporcionando uma narrativa mais profunda e mais contextualizada através de recursos como linhas do tempo, bullets e artigos relacionados. Outros componentes como vídeo, áudio e briefings diários virão em seguida.
Esta abordagem é distinta de outros produtos de notícias, pois ela se apoia nas escolhas editoriais que cada publisher faz sobre quais histórias mostrar aos leitores e como apresentá-las. O recurso foi lançado no Brasil e na Alemanha, e será expandido para outros países nos próximos meses, onde as estruturas locais apoiam estas parcerias“.
Então é o seguinte: a Google lucrará praticamente zero dólares com o Google News Showcase.
Primeiramente: o recurso é parte do Google News, que não possui anúncios e não gera receita. A Google tem orgulho desse fato! A empresa se gaba ao falar sobre isso com reguladores e publishers, quando vão pedir por dinheiro para notícias.
Então, mesmo que o Google News Showcase se torne 1 sucesso e leve muitas pessoas ao Google News todos os dias, a empresa ainda assim não terá lucro. (Assim como a aba de notícias não dá nenhum dinheiro ao Facebook). E mesmo que se espalhe por outras plataformas da Google, a coleção das notícias mais relevantes com a curadoria dos editores nunca será uma parte de grande impacto do que os usuários do Google querem. (Se alguém quiser ver o que o LA Times acha que são as histórias mais importantes, irá para o latimes.com, ou para o app, ou checar @latimes no Twitter — não vai descobrir qualquer solicitação tortuosa de busca que possa aparecer nesses painéis de histórias. E, em qualquer caso, a Google raramente monetiza pesquisas baseadas em notícias com anúncios, de qualquer forma).
Segundamente: isso não será 1 grande sucesso que levará milhões de pessoas ao Google News todos os dias. É 1 módulo de algumas telas em 1 aplicativo em seu telefone que os editores podem escolher para fazer algumas personalizações. Parece bom! Mas não muda a proposta de valor do Google News de nenhuma maneira significativa.
E em terceiro lugar: mesmo que a Google realmente gostasse da ideia do Google News Showcase, a empresa não teria que pagar US$1 bilhão aos publishers para fazer isso acontecer. O algoritmos já existentes podem reunir uma coleção das melhores histórias de uma publicação e colocar alguma arte bonita no topo, tudo sem qualquer envolvimento humano ou do editor. As mesmas regras de uso justo que se aplicam ao restante do Google News se aplicam aqui também.
E se a Google realmente quisesse se apoiar em aspectos mais editoriais no Showcase –como retirar alguns bullets ou fazer uma timeline– poderia apenas contratar alguns editores em cada país e deixá-los responsável por isso. É assim que o Twitter faz com o Moments e que o Facebook costumava fazer com o Trending. Contratar essas pessoas custaria bem menos que US$ 1 bilhão.
Diabos, se a Google deu aos editores as ferramentas para destacar qualquer trabalho que queiram destacar em algo como o Showcase, eu apostaria que os publishers fariam isso de bom grado – de graça! (Como já fizeram antes, há uma década).
Então por que a Google está gastando US$ 1 bilhão em 1 produto que não dará lucro, será usado por uma pequena fração de seus usuários, e não tornará a leitura das manchetes mais do que, o que, talvez 5% melhor? Bem, lembre-se da minha 3ª regra das caixinhas de requisitos do duopólio para os publishers:
“Querem que o dinheiro atraia manchetes felizes como “Google promete US$ 1 bilhão para publishers de notícias”, querem tirar a imprensa de cima deles e, idealmente, diminuir os apelos para que seja feita uma regulamentação ou tributação governamental“.
US$ 1 bilhão é 1 número legal, grande e memorável. Eu não ficaria nem mesmo chocado se esta ideia começasse com “vamos dar a eles US$ 1 bilhão isso soará muito bem da próxima vez que tivermos que testemunhar perante o Congresso“, com os anos, o escopo e os detalhes trabalhados a partir daí. O dinheiro certamente é bem-vindo se você for 1 editor em apuros. Mas não mudará muito sobre o destino financeiro de nenhum publisher.
Lembrem-se, são US$ 1 bilhão em 3 anos, por todo o planeta. Os jornais sozinhos são 1 negócio anual de US$ 94 bilhões em todo o mundo. Multiplique isso por 3 anos e, em seguida, adicione todas as emissoras, revistas e editoras digitais que também ganharão parte dessa quantia, e logo ficará claro que US$ 1 bilhão não muda a matemática fundamental da indústria. Assim como os cheques que o Facebook está assinando para sua aba de notícias também não mudaram.
E a Google pode pagar por isso. Se suas receitas continuarem crescendo nas mesmas taxas que nos últimos 3 anos, ganhará algo em torno de US$ 632 bilhões em receitas nesse período. Dois terços disso vêm de seus negócios de publicidade. Um bilhão de dólares seria cerca de 0,15% disso. Não é nada, mas também não é nada que prejudique orçamentos futuros.
Mas a pilha de dólares em publicidade do Google é muito atraente para reguladores e legisladores em todo o mundo, que veem a empresa como 1 alvo para tributação saudável. O Google “está prejudicando nossos provedores de notícias locais” é 1 dos principais motivos de quem quer tirar parte do dinheiro ou do poder da empresa.
A big tech se acostumou com governos que buscam maneiras de direcionar parte de sua receita para seus cofres. A ajuda do Google aos editores é a resolução dos problemas com governos famintos e estratégias de relações públicas com a imprensa. O que poderia fazer uma empresa querer doar 0,15% de sua receita? A ameaça de outra pessoa pegando 10% dele.
*Joshua Benton é diretor do Nieman Journalism Lab.