Violência provoca êxodo de ex-guerrilheiros que assinaram paz na Colômbia

Mais uma vez, Yerlis Ballesteros foge para não morrer. Quando criança, fez isso com a mãe. Agora é forçada a sair com seus dois filhos das montanhas da Colômbia, onde lutou antes de tentar viver em paz.

No entanto, a violência que financia o narcotráfico arruinou seus planos e os de seus ex-colegas na guerrilha dissolvida das FARC.

Na quarta-feira passada, 93 ex-rebeldes e familiares fizeram uma viagem sem volta em plena pandemia, depois de 12 assassinatos nos últimos quatro anos.

“O copo transbordou. Não podemos mais resistir”, diz esta mulher de 32 anos.

Eles deixaram para trás o vilarejo situado no alto de Ituango, no departamento de Antioquia (noroeste), onde primeiro lutaram e depois se tornaram pessoas de paz.

Em uma caravana de veículos escoltada pela força pública, partiram para Mutatá, também em Antioquia, mas a centenas de quilômetros de distância, no primeiro êxodo coletivo enfrentado por ex-guerrilheiros que assinaram a paz em 2016.

Agradeceram aos vizinhos, carregaram seus animais em caminhões e se despediram sem abraços, devido ao novo coronavírus, antes de pegar a estrada.

Foi uma jornada de desenraizamento e tristeza que durou 23 horas e que os levou a terras estranhas, onde ex-companheiros de armas os receberão como deslocados.

Yerlis Ballesteros sofreu deslocamento forçado pela primeira vez quando muito nova. Mal se lembra do que aconteceu com sua mãe e dois irmãos para salvar suas vidas.

Quando adolescente, ingressou nas FARC. Combateu durante 12 anos na guerrilha, que enfrentava o Estado colombiano desde 1964, em um conflito feroz que mais tarde envolveu paramilitares de extrema direita e também forçou centenas de milhares de camponeses a fugirem.

Os responsáveis da rebelião armada devem prestar contas à justiça da paz por esse e por outros crimes graves.

Por causa do conflito, mais de oito milhões de pessoas foram forçadas a deixar seus locais de origem desde 1985, segundo o registro oficial de vítimas.

E, no caso dos ex-guerrilheiros de Ituango, a história do desenraizamento se repete.

John Taborda tinha cinco anos quando os paramilitares fizeram sua família fugir.

“Perdemos absolutamente tudo”, conta. Ele lutou ao lado da insurgência, assinou a paz e, hoje, aos 27 anos, tem de começar “do zero” novamente.

“Confiamos na boa-fé do governo que teríamos condições, mecanismos de proteção e segurança (…) E é um pouco frustrante ter que aceitar que isso não é possível”, acrescenta.

– Violência que segue –

Depois de entregar as armas, Ballesteros e cerca de 300 ex-guerrilheiros ergueram uma pequena vila e começaram como cultivadores e criadores de animais.

No entanto, nessa área, a violência continuou sem eles e transformou os guerreiros do passado em vítimas.

Logo se viram à mercê de antigos camaradas que não aderiram ao processo de paz, do Clã do Golfo e do Los Caparrapos, exércitos poderosos que disputam a mineração ilegal, o cultivo de drogas e rotas de saída.

O Estado colombiano não conseguiu assumir o controle deste território, apesar do fim da guerra com as FARC.

Em janeiro, César Herrera, um ex-colega de Yerlis, foi morto a caminho da vila onde estava concluindo seu processo de reincorporação social e econômica.

O processo de paz aplaudido pelo mundo está em decomposição. Um total de 219 ex-guerrilheiros foram assassinados, e vários dos pontos do acordo histórico não saíram do papel, denuncia o agora partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC).

Dos 13.000 homens e mulheres que se afastaram da guerra, quase 3.000 vivem em 23 espaços que ficaram desabitados em Ituango. Em vários desses pontos, a guerra continuou.

“Nesse pedaço de território, o processo de paz fracassou. Reunimos mais de 300 ex-combatentes. E agora restam apenas sete”, diz Jesús Arenas, de 58 anos, líder do partido das FARC em Ituango.

Antes da partida do grupo de 93 ex-guerrilheiros, dezenas já haviam deixado a vila, devido à violência. Apesar dos riscos, sete decidiram ficar nas montanhas de Ituango.

O governo colombiano evita falar em “deslocamento”. Reconhece, porém, que recomendou que essas pessoas se mudassem para outro lugar com a proteção das Forças Armadas, porque onde estavam “realmente há uma disputa de narcotráfico”, de acordo com Emilio Archila, conselheiro presidencial do período pós-conflito.

Já em Mutatá, Yerlis Ballesteros e seus companheiros reafirmam seu compromisso de não voltar às armas. Ela deseja apenas “nunca mais repetir esta história” de deslocamento.

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