Os crimes que recentemente abalaram nossa sociedade — o covarde que desferiu mais de sessenta socos na namorada, o animal que decepou as patas do seu próprio cavalo e o criminoso que estuprou e desfigurou a jovem Sther Barroso — não podem ser reduzidos apenas a episódios isolados de psicopatia. É evidente que há distúrbios individuais em cada caso, mas há também um traço cultural que os atravessa: todos eles nasceram de uma mentalidade hedonista, imediatista, que não ensina o homem a lidar com a dor, a frustração e os limites naturais da vida. São filhos de uma geração que trocou a virtude pelo prazer instantâneo, que idolatra o consumo e foge da responsabilidade.
A Igreja já havia advertido para esse desvio. São João Paulo II, na Evangelium Vitae, escreveu que “a mentalidade hedonista considera o sofrimento um mal a evitar a todo custo” (§23)¹. Quando se elimina do horizonte humano a possibilidade de integrar a dor e a frustração, o outro deixa de ser visto como pessoa e passa a ser tratado como objeto descartável. A consequência é inevitável: o egoísmo radicalizado se transforma em violência. Contra essa lógica perversa, a tradição cristã sempre propôs as virtudes como antídoto: a temperança, que modera os desejos, e a fortaleza, que sustenta o homem diante da dor. Sem elas, não há autodomínio possível, e o indivíduo facilmente se torna escravo das próprias paixões, ameaçando a si e aos demais².
Não por acaso o Catecismo da Igreja Católica afirma que “os pais têm a primeira responsabilidade pela educação dos filhos” (n. 2222)³. Isso significa que a formação da masculinidade, longe de ser delegada ao acaso ou às modas culturais, deve começar em casa, pelo exemplo do pai. São João Crisóstomo, no século IV, dizia aos pais: “Não te preocupes em dar riquezas ao teu filho, mas em educá-lo bem. Educa-o como atleta de Cristo”⁴. A verdadeira paternidade não é apenas biológica, mas moral e espiritual. A Igreja oferece em São José um ícone luminoso de masculinidade. Na carta Patris corde, o Papa Francisco destaca sua “coragem criativa” e sua responsabilidade silenciosa⁵. José não buscou protagonismo nem prazer imediato: assumiu o dever, protegeu a família, obedeceu a Deus. É o oposto da virilidade hedonista e violenta que hoje se vende como modelo.
O que a fé aponta, a ciência confirma. Estudos internacionais robustos mostram que pais presentes e envolvidos são determinantes na formação do caráter dos filhos. Uma revisão publicada na Acta Paediatrica revelou que crianças com pais atuantes têm menos problemas de comportamento, menos delinquência e melhor saúde psicológica⁶. Outra meta-análise, no Journal of Abnormal Child Psychology, comprovou que práticas parentais de monitoramento, afeto e disciplina equilibrada reduzem significativamente a delinquência juvenil⁷. E pesquisas de Harper e McLanahan mostraram que adolescentes sem pai residente têm risco muito maior de encarceramento, mesmo quando se controlam fatores como renda e escolaridade⁸. A ausência paterna, portanto, não é um detalhe irrelevante: é um fator preditivo forte da violência.
Os números mostram que investir na família rende mais que manter presídios. No Brasil, cada preso custa milhares de reais por mês aos cofres públicos. Em contraste, programas de fortalecimento familiar não apenas formam melhores cidadãos, como também economizam recursos. O Strengthening Families Program (SFP), desenvolvido nos Estados Unidos e avaliado em diversos estudos controlados, é prova disso. Com encontros semanais de pais e filhos com idades entre 10 e 14 anos, o programa ensina comunicação, disciplina positiva e resolução de conflitos, e os resultados são consistentes: melhora das habilidades parentais, maior coesão familiar, atraso no início do consumo de álcool e redução de comportamentos de risco. Avaliações independentes mostraram que cada dólar investido no programa retorna quase dez dólares em benefícios sociais, especialmente pela prevenção de crimes e do abuso de substâncias⁹. Em outras palavras, quando a sociedade investe em famílias, evita-se, mais adiante, o alto custo financeiro e humano de sistemas penitenciários abarrotados.
Tudo isso aponta para a mesma direção: a crise que vivemos não é apenas de segurança pública, mas de masculinidade. Criamos uma geração de homens de geléia, frágeis, escorregadios, incapazes de assumir responsabilidades. Muitos se deixam sequestrar por ideologias superficiais ou se perdem em vícios, sejam eles drogas, pornografia ou tecnologias, e fogem do dever de se sacrificar. Preferem o prazer efêmero ao esforço exigente da paternidade e da liderança moral. Ao renunciarem a esse papel, entregam seus filhos a uma formação truncada, permitindo que o vazio seja preenchido por violência e desordem.
É preciso dizer com clareza: a sociedade só terá futuro se os homens tiverem coragem de assumir sua missão. Formar novos homens é tarefa intransferível. Não se trata de autoritarismo, mas de sacrifício; não de opressão, mas de serviço. O mundo não precisa de virilidade ruidosa, mas de masculinidade silenciosa, que se doa, que se entrega, que protege. São os homens — e especialmente os pais — que devem abrir mão das amarras ideológicas e das correntes dos vícios para retomar o lugar que lhes cabe: o de formar filhos fortes, capazes de enfrentar a dor, de respeitar a vida e de amar sem ferir.
Se quisermos menos presídios, precisaremos de mais famílias sólidas. Se quisermos menos violência, precisaremos de mais pais presentes. E se quisermos uma juventude capaz de amar em vez de odiar, precisaremos de homens que não temam o sacrifício. Pois só assim a masculinidade deixará de ser deformada pelo hedonismo e voltará a ser o que sempre foi: serviço, coragem e entrega.
Referências
- João Paulo II. Evangelium Vitae (1995). Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae.html
- Tomás de Aquino. Suma Teológica, II-II, questões sobre temperança e fortaleza.
- Catecismo da Igreja Católica, n. 2222. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/catechism_po/index_new/p2s2c3a4_po.htm
- João Crisóstomo. De Inani Gloria et de Educandis Liberis. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/1903.htm
- Papa Francisco. Patris corde (2020). Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/documents/papa-francesco-lettera-ap_20201208_patris-corde.html
- Sarkadi, A., Kristiansson, R., Oberklaid, F., & Bremberg, S. (2008). Fathers’ involvement and children’s developmental outcomes: A systematic review of longitudinal studies. Acta Paediatrica, 97(2), 153–158. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18052995/
- Hoeve, M., Dubas, J. S., Eichelsheim, V. I., Van der Laan, P. H., Smeenk, W., & Gerris, J. R. (2009). The relationship between parenting and delinquency: A meta-analysis. Journal of Abnormal Child Psychology, 37(6), 749–775. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19263213/
- Harper, C. C., & McLanahan, S. S. (2004). Father absence and youth incarceration. Journal of Research on Adolescence, 14(3), 369–397. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1532-7795.2004.00079.x
- Strengthening Families Program (SFP). Avaliações em CrimeSolutions.gov. Disponível em: https://crimesolutions.ojp.gov/ratedprograms/strengthening-families-program-parents-and-youth-10-14


