Decisão liminar da 3ª Vara da Fazenda Pública do Rio atinge também empresários e empresas envolvidas em contratos emergenciais durante a pandemia; prejuízo estimado aos cofres públicos é de R$ 68 milhões
A Justiça do Rio de Janeiro determinou, em decisão liminar proferida na última segunda-feira (12), o bloqueio de até R$ 50,5 milhões em bens do ex-prefeito da capital Marcelo Crivella (Republicanos), da ex-secretária municipal de Saúde Ana Beatriz Busch Araújo e do ex-subsecretário Ivo Remuszka Junior. A medida atende a pedido do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) em ação civil pública por improbidade administrativa e atos lesivos à administração.
A ação, ajuizada pelas 3ª e 8ª Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva da Capital, aponta irregularidades em contratos firmados durante a pandemia da Covid-19 com a empresa estrangeira China Meheco Corporation, voltados à reestruturação de hospitais e à aquisição de equipamentos médicos.
Segundo o MPRJ, os contratos foram direcionados para beneficiar a fornecedora chinesa, com indícios de favorecimento tanto em processos licitatórios quanto em dispensas de licitação. O suposto esquema teria causado um prejuízo estimado de R$ 68 milhões ao erário municipal, conforme cálculo feito em conjunto com o Tribunal de Contas do Município (TCM). Entre as irregularidades apontadas estão a compra de equipamentos acima da demanda, variação cambial não protegida e superfaturamento em aquisições emergenciais.
Além de Crivella e seus ex-gestores, a decisão judicial também determinou a indisponibilidade de bens dos empresários Bruno Cavalcanti e Bing Changbao, e das empresas Z FU Consultoria Empresarial, Mayers Participações, Marzuk Projetos Especiais e da própria China Meheco Corporation. O valor total dos bloqueios pode ultrapassar R$ 145 milhões, somando os valores atribuídos a cada réu.
Comissão ou propina?
De acordo com o Ministério Público, a empresa Z FU, criada por Bruno Cavalcanti, recebeu R$ 36,9 milhões em comissões pagas pela China Meheco pouco antes da formalização dos contratos com a Prefeitura. Para os promotores, o valor seria, na verdade, uma propina disfarçada, em troca de favorecimento nos contratos emergenciais.
O MPRJ ainda afirma que Cavalcanti teve papel direto na formulação dos contratos, mesmo sem qualquer vínculo formal com a administração municipal. Segundo a ação, ele teve acesso a documentos internos da Secretaria de Saúde e participou das tratativas com a fornecedora chinesa. O empresário também é apontado como arrecadador de caixa dois da campanha de Crivella em 2016 e fiador da locação do comitê eleitoral do ex-prefeito.
“Os agentes públicos agiram de forma inequivocamente dolosa, ao favorecer empresa estrangeira que pactuou o pagamento de vantagem indevida (‘comissão’) sobre os contratos celebrados com a municipalidade, em favor de empresário que, tanto ostensiva quanto ocultamente, colaborou na campanha eleitoral de Marcelo Crivella”, diz trecho da petição inicial.
Pedido de condenação e ressarcimento
Além do bloqueio de bens, o MPRJ requer a condenação dos réus com base na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), bem como a responsabilização das empresas e empresários pela Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Os promotores pedem ainda o ressarcimento integral dos danos causados aos cofres públicos e a devolução dos valores obtidos de forma ilícita.
A reportagem procurou os citados para manifestação, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.
A decisão judicial reconheceu indícios de falta de planejamento, pagamentos em dólar sem proteção contra variação cambial e redução indevida de garantias técnicas como fundamentos para a concessão da medida liminar. O processo segue em tramitação.