
Há um diálogo nas Escrituras que sempre me toca profundamente. Está no final do Evangelho de João, no capítulo 21. Após a Ressurreição, Jesus aparece novamente aos discípulos, e ali, à beira do lago, Ele se volta a Pedro com uma pergunta que é, ao mesmo tempo, simples e profundamente desconcertante: “Simão, filho de João, tu me amas?”.
Jesus pergunta isso não uma, mas três vezes. E cada repetição carrega um peso, uma memória, uma cura — afinal, Pedro havia negado o Mestre também três vezes, na noite da Paixão.
Mas o que muitos não percebem, porque não está claro nas traduções portuguesas, é que, no texto original em grego, há algo ainda mais belo acontecendo. Jesus pergunta a Pedro: “Agapas-me?” — ou seja, “Você me ama com o amor ágape?”. O ágape é o amor divino, o amor que se entrega, que dá a vida, que não espera retorno. É o amor com que Cristo nos amou.
Pedro, no entanto, responde com um amor mais tímido, mais humano: “Senhor, Tu sabes que eu te amo” — no original: “Philo se”, ou seja, “Eu te amo com amor filia”, o amor de amigo, de carinho, mas ainda frágil, inconstante.
Na segunda vez, Jesus repete: “Agapas-me?”, e Pedro novamente responde com “philo se”. Jesus está pedindo um amor total, e Pedro oferece apenas o que tem. É na terceira vez que acontece algo maravilhoso: Jesus muda a pergunta. Ele desce até Pedro. “Phileis-me?” — “Você me ama, ainda que com esse amor simples, fraterno?”
Pedro se entristece, talvez por perceber que Jesus se adequou ao seu limite. Mas ali também está a chave da esperança: Jesus aceita o amor que Pedro pode oferecer. Não exige perfeição, não impõe condições. Ele acolhe o amor imperfeito e o transforma.
Essa cena diz tanto sobre nós! Quantas vezes achamos que nosso amor por Deus é pequeno, fraco, instável… Quantas vezes nos julgamos indignos, revoltados, cansados da vida e das provações. E mesmo assim, Jesus vem ao nosso encontro, pergunta com ternura se O amamos, e aceita até o nosso “philo” — o pouco amor que temos.
Na vida cristã, conhecemos vários tipos de amor: o eros (amor de desejo), o storgē (amor familiar), o philia (amizade) e o ágape (entrega total). Deus é Ágape. Mas Ele acolhe o nosso amor na forma em que conseguimos dar. E o mais bonito é que, quando abrimos o coração, esse amor vai crescendo, amadurecendo — até se tornar também ágape.
Pedro, mesmo com amor pequeno, ou talvez por isso mesmo, escuta o chamado: “Apascenta as minhas ovelhas.” Jesus não espera o perfeito para confiar uma missão. Ele nos convida a segui-Lo como estamos, com a promessa de nos fazer crescer pelo caminho.
Lançar as redes novamente, obedecer à Palavra do Senhor, é o que nos faz felizes. Ainda que tenhamos fracassado na noite escura da dúvida, da culpa ou da solidão, Ele está na margem, preparando o pão, nos esperando com amor.
Que essa cena nos encha de esperança: o Senhor nunca despreza o pouco amor que podemos oferecer. Ele transforma corações frágeis em verdadeiras fortalezas. Como fez com Pedro. Como pode fazer comigo e com você.
Então, não desista. Mesmo com amor pequeno, responda: “Senhor, Tu sabes tudo. Tu sabes que eu Te amo.”