A CPMI do dia 8 de janeiro, que investigará a invasão das sedes dos Três Poderes, tem o potencial de afetar a relação entre os militares e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é que oficiais das Forças Armadas sejam convocados para esclarecer se houve envolvimento de militares nos eventos ocorridos nesse dia.
Essa situação surge em um contexto de desconfiança entre a categoria militar e o governo atual. Caso a bancada governista na CPMI adote uma postura hostil em relação às Forças Armadas durante os depoimentos, a fissura entre eles poderá se acentuar. As suspeitas sobre o suposto envolvimento das Forças Armadas ou de alguns de seus membros nos acontecimentos do dia 8 de janeiro surgiram logo após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.
Após as eleições, milhares de manifestantes bolsonaristas acamparam em frente a unidades militares em todo o país, alegando, sem evidências, que as eleições teriam sido fraudadas. Alguns até pediam um golpe militar para impedir a posse de Lula. Apesar dos apelos para desmontar os acampamentos, as Forças Armadas não intervieram.
A situação se agravou em novembro, quando manifestantes atearam fogo em veículos em frente à sede da Polícia Federal, após a prisão de um militante bolsonarista suspeito de ameaçar autoridades. Mesmo nesse momento, o Exército não removeu os manifestantes e emitiu uma nota defendendo a liberdade de manifestação e locomoção.
Em dezembro, a polícia prendeu um homem suspeito de planejar um atentado ao Aeroporto Internacional de Brasília e que teria obtido o artefato no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército. Os acampamentos foram desmontados apenas após a invasão das sedes dos Três Poderes.
Após a invasão, o Exército abriu sindicâncias para investigar a participação de militares da ativa nos eventos do dia 8 de janeiro. O Ministério Público Militar enviou inquéritos ao Supremo Tribunal Federal relatando as supostas condutas de membros das Forças Armadas nesse episódio.
Houve também questionamentos sobre a falta de planejamento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ligado à Presidência da República, para evitar as invasões, apesar dos alertas feitos pelos órgãos de segurança. Imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostraram militares do GSI servindo água aos invasores e agindo cordialmente com eles. Essas imagens foram fundamentais para a instalação da CPMI, já que o então ministro do GSI, general Gonçalves Dias, circulava pelo prédio sem deter os invasores.
No seu depoimento à Polícia Federal, Dias alegou que não prendeu ninguém na ocasião, pois estava tentando gerenciar a crise causada pela invasão. No entanto, interlocutores do governo afirmam que,
apesar de estar oficialmente sob o comando de Dias, boa parte dos cargos do GSI eram ocupados por militares nomeados na gestão de Bolsonaro.
Diante desse contexto, a CPMI do dia 8 de janeiro pode aprofundar a desconfiança entre os militares e o governo de Lula. Se a bancada governista adotar uma postura de confronto durante os depoimentos, os militares poderão se sentir pressionados e isso poderá ampliar a fissura existente.
Os militares da reserva, políticos e especialistas entrevistados pela BBC News Brasil destacam a importância de conduzir a CPMI de forma imparcial e evitar a instrumentalização política do processo. Eles ressaltam que é necessário investigar os fatos de maneira rigorosa, mas sem generalizações que prejudiquem a imagem das Forças Armadas como um todo.
Além disso, é preciso considerar os impactos que essa investigação pode ter na relação entre os militares e o governo. É fundamental buscar uma abordagem que preserve o diálogo e a confiança entre as partes, garantindo que as instituições se fortaleçam e sejam capazes de cumprir seus papéis na defesa da democracia e da estabilidade institucional.
É importante lembrar que a imagem das Forças Armadas é resultado de um longo processo de construção e que qualquer abalo em sua reputação pode ter consequências significativas. Portanto, é necessário que a CPMI seja conduzida com responsabilidade, transparência e respeito aos princípios democráticos, visando a busca pela verdade e a preservação dos valores fundamentais da sociedade brasileira.
Em suma, a CPMI do dia 8 de janeiro pode ter um impacto significativo na relação entre os militares e o governo de Lula, dependendo da forma como for conduzida. É fundamental buscar um equilíbrio entre a investigação dos fatos e a preservação da confiança e do respeito mútuo entre as instituições.