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Lula chega aos 100 dias de governo distante da meta de pacificar o país

O presidente da República recebe todas os dias um relatório com números e análises sobre o desempenho dele e do governo nas redes sociais. O levantamento serve como bússola para orientar futuras ações, corrigir rotas, ajustar declarações, elaborar estratégias e, se necessário, lançar mão de certas táticas de combate para vencer a guerra da opinião pública. O Planalto avalia que se saiu relativamente bem nesse campo e pretende consolidar essa impressão com a divulgação do balanço que está sendo preparado sobre os 100 dias de governo. Nas últimas semanas,

Embora seja um prazo extremamente pequeno para fazer qualquer avaliação minimamente definitiva, os primeiros 100 dias, olhados com lupa, revelam muito sobre os governantes e fornecem uma pista do que vem por aí. O ex-presidente , por exemplo, celebrou a data acossado por uma inédita rejeição do eleitorado, emparedado por investigações policiais que ameaçavam alcançar um de seus filhos, confrontando o Congresso e insuflando manifestações contra o Supremo Tribunal Federal — conflitos que se prolongaram por todo o mandato, estiveram na raiz de várias crises e marcaram a passagem do ex-capitão pelo Palácio do Planalto. Um desastre anunciado. Na campanha eleitoral do ano passado, Lula se apresentou como o candidato da pacificação, reuniu em torno dele partidos de diferentes tendências ideológicas, estendeu a mão a antigos adversários e prometeu que, se eleito, governaria para todos. Nesses primeiros três meses, não surgiram sinais indicando essa direção. Muito pelo contrário.

Desde o primeiro dia, o presidente tem se esmerado em alfinetar adversários. Fala sempre em herança maldita, trata determinadas autoridades com desdém e suas aparições em público têm criado situações constrangedoras que já prejudicam sua imagem em determinadas faixas do eleitorado. O dia 22 de março é exemplar. Na véspera, Lula concedeu uma entrevista e usou um palavrão para descrever o que pensava em fazer com o senador Sergio Moro no período em que cumpria pena por corrupção em Curitiba. Seus apoiadores mais radicais vibraram com a grosseria, mas a repercussão foi ruim. Na manhã seguinte, a Polícia Federal, por coincidência, anunciou a descoberta de um plano do PCC para sequestrar Moro. Indagado a respeito, o presidente, sem qualquer prova, disse que aquilo seria “uma armação” do ex-juiz. “Foi o pior dia para o governo desde o início do mandato”, disse a VEJA um auxiliar que cuida da imagem do mandatário. Naquela quinta-feira, os relatórios de desempenho registraram índices recorde de avaliação negativa do presidente. A consultoria Quaest também mediu o baque: na semana de 20 a 24 de março menções positivas ao governo atingiram o menor patamar da série histórica, quase 30 pontos porcentuais abaixo da média registrada desde o início do governo. O desgaste foi inevitável.

Antes disso, situação parecida já havia sido enfrentada durante uma visita que o presidente fez à Argentina e ao Uruguai. Em um pronunciamento, Lula atacou de uma só vez dois ex-presidentes da República. Michel Temer foi chamado de “golpista” e Bolsonaro de “genocida” — isso depois de o petista ter anunciado a intenção de usar recursos do BNDES para financiar a construção de um gasoduto em solo argentino, prática que resultou no passado em rumorosos escândalos. Nada disso estava no script. A combinação do anúncio com as críticas aos ex-presidentes bateu o primeiro recorde de menções negativas e tirou da hibernação grupos que estavam cansados de Jair Bolsonaro, tinham severas críticas a Lula mas, apesar disso, votaram no petista em nome da promessa de pacificação. As declarações provocaram ainda estragos políticos. Ao chamar Temer de golpista, Lula atingiu indiretamente todo o MDB, partido que integrou a frente ampla na campanha e hoje faz parte da base de apoio do Planalto, inclusive ocupando três ministérios. O constrangimento foi inevitável.

Na época, o núcleo duro do governo — formado pelos ministros Rui Costa, da Casa Civil, Alexandre Padilha, de Relações Institucionais, e Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social — apresentou ao presidente, como de costume, os tais relatórios de avaliação. Ao ouvir as críticas dos auxiliares, ele reagiu com irritação: “Eu agora vou ter de pedir autorização de vocês para falar o que penso? Era só o que faltava”. Nos mandatos anteriores, Lula tinha ao seu redor assessores que ascenderam com ele ao poder. Alguns, como o ex-ministro Gilberto Carvalho, eram íntimos a ponto de abrir a porta do gabinete sem bater, tinham liberdade para chamar o presidente pelo nome e tratavam de certos assuntos com um nível de liberdade e franqueza que seria impensável para os dias de hoje. Esse grupo não existe mais. Sem filtros ou freios, o presidente tem falado o que lhe vem à cabeça. “Lula está pagando o preço de um certo ressentimento, tem instigado os atores políticos olhando apenas para o passado e com isso perde um espaço que poderia projetá-lo como um estadista autônomo e independente”, diz o professor José Álvaro Moisés, do departamento de Ciência Política da USP.

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