As demissões em massa promovidas pelas big techs – Amazon, Meta, Saleforce, Twitter, entre outras – têm espalhado preocupação pelo mundo e, claro, repercutido no mercado brasileiro. O mais recente anúncio, feito pela Amazon, dá conta de 18 mil funcionários mandados embora em suas operações espalhadas ao redor do globo, inclusive no Brasil. O número impactante, porém, representa 1,2% da força de trabalho empregada pela gigante do varejo on-line, que atingiu a impressionante casa de 1,5 milhão de empregados em 2022.
Especialistas fazem conta de que mais de 100 mil pessoas já tenham sido demitidas globalmente nesse movimento, porém esse total não chegaria a empatar com o número normal de demissões feitas naturalmente ao longo de um ano por essas mesmas empresas. A diferença seria a forma: as demissões seriam em um determinado período programado e anunciadas ao público.
E como elas são “big”, todos os números conhecidos são gigantescos. A crise econômica global levou a uma diminuição do consumo e, por isso, as empresas estão com receitas menores. Em 12 meses, algumas big techs, incluindo Apple, Microsoft, Meta e Alfabet (Google), perderam juntas quase US$ 4 trilhões. Resultado que impactou a Nasdaq, que caiu 33% em 2022, pior resultado desde a crise de 2008, quando registrou uma perda de 40,5%.
O primeiro e mais lógico motivo apontado para as demissões em massa, ou desligamento coletivo, é o financeiro, uma tentativa de corte de custos a partir da diminuição da folha de pagamentos.
De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria de Software e da Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais (Sindinfor), Fábio Veras, porém, as demissões em massa são muito mais um sinal de cuidado com a governança dessas empresas ao mercado do que, propriamente, uma redução da mão de obra empregada.
“Precisamos entender o contexto em que essas empresas cresceram. Os últimos dois anos foram marcados pela pandemia, que exigiu um ritmo de digitalização da economia jamais imaginado. Foi entregando de forma disruptiva os serviços aos consumidores que elas cresceram enormemente. Acontece que esse pico passou e é natural uma reacomodação dessas empresas. Elas fizeram investimentos enormes para aproveitar aquele momento e agora precisam se reajustar. Não existe uma crise no mercado de tecnologia internacional, nem no brasileiro. Não é uma crise nos negócios dessas empresas, mas um ajuste que visa mostrar ao mercado que elas são confiáveis e que estão atentas ao compliance”, explica Veras.
Pesquisa realizada pela KPMG e a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) mostra que os aportes de fundos de private equity e venture capital em empresas brasileiras chegaram a R$ 29,7 bilhões no terceiro trimestre de 2022, uma alta de 123% em relação ao mesmo período de 2021.
Para o economista e especialista em gestão de negócios, Ricardo Mello, as big techs tinham a tecnologia ideal para atender às necessidades daquele momento. Elas, então, passaram a crescer ainda mais rápido aproveitando o dinheiro barato injetado pelos governos nas economias nacionais. O problema é que esse dinheiro não foi aplicado, necessariamente, da melhor forma.

“O dinheiro foi aplicado em teses boas mas sem duediligence (‘diligência prévia’, em português, que quer dizer investigação sobre a empresa). Então, o número de contratações ao longo entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022 foi enorme e feito sem os devidos cuidados devido à pressa e à escassez de mão de obra qualificada. O problema é que no segundo semestre de 2022 os resultados dessas big techs começaram a derreter. As ações começaram a cair e o mundo entrou em uma crise com inflação alta e taxa de juros americanas subindo. A diferença é que agora elas querem mostrar para o mercado essas demissões. Mostrar para o investidor uma postura austera e necessária. A demissão não é feita para quem sai, mas para quem fica na empresa, que se vê obrigado a aumentar a produtividade. Isso chega ao Brasil porque essas empresas têm negócios aqui”, pontua Mello.
Oportunidade
É lugar comum que toda crise traz oportunidades mas, dessa vez, pelo menos uma é nítida para as empresas brasileiras de base tecnológica e para aquelas que têm outro core business, mas precisam manter uma estrutura de tecnologia forte, especialmente as médias e pequenas: encontrar e contratar profissionais qualificados vindos das big techs.
A oportunidade, que não deve durar muito tempo, também diz respeito a profissionais de outras áreas – administrativas e operacionais – mas que tiveram uma boa experiência em algumas das maiores empresas do mundo e que podem acrescentar criatividade e inovação às novas equipes.
“Essas pessoas que foram demitidas podem ser realocadas muito rapidamente. Agora vai existir uma desinflação na remuneração de TI. Para programadores, especificamente, isso vai se dar rapidamente e aumentar as chances das pequenas e médias empresas, que são as maiores empregadoras do Brasil. Facilita também para as empresas que não são de base tecnológica mas precisam de tecnologia. As empresas brasileiras estão se preparando para isso. A pandemia trouxe essa urgência pela inovação e tecnologia”, destaca o advogado.
Segundo o especialista em inovação digital e CCO da Trio – hub de criação e produção audiovisual -, Luciano Mathias, o anúncio feito pela Amazon é um prenúncio de dificuldade para esse ano, mas não deve assustar o mercado brasileiro que pode, até, ganhar novos empreendedores.

Para ele, é preciso prestar atenção para os fatores específicos que fizeram cada empresa dessas a fazer o desligamento. A Amazon, por exemplo, investiu durante a pandemia achando que o ritmo seria o mesmo durante muito tempo e isso não aconteceu. Já o Twitter, vinha com prejuízos anteriores e a administração Elon Musk tem cometido vários erros. A Meta investiu US$ 20 bilhões em branding e na construção do metaverso e o resultado ainda não foi satisfatório.
“Existe, sim, uma necessidade de cortar custos e diminuir a folha de pagamento é o caminho mais fácil. Mas vai além disso. Somados aos fatores macroeconômicos, existe a web 3 (geração da internet que usa como base tecnologias de inteligência artificial e blockchain), com empresas descentralizadas, incomodando as big techs. A tecnologia traz oportunidades para as pessoas que também não são intimamente ligadas a ela. As empresas menores estão abrindo vagas e também existe oportunidade de empreender para quem está saindo das gigantes com um currículo fortalecido”, analisa Mathias.
Na avaliação do CEO da Alphacode – empresa que desenvolve projetos no ambiente mobile -, Rafael Franco, o que está acontecendo é uma acomodação do mercado, com os demitidos sendo facilmente realocados. As demissões devem servir também para reorganizar os modelos de trabalho depois das experiências remotas e híbridas forçadas e às pressas.

“De maneira geral, algumas dessas empresas contrataram demais e sem critério, pela própria dificuldade de contratar remotamente naquela época. Algumas delas agora estão aproveitando para trocar funcionários remotos por presenciais. Outras estão trocando pessoas por robôs, mas como é feio anunciar isso, é melhor chamar de lay off (termo em inglês que diz respeito à suspensão temporária do contrato de trabalho mas que vem sendo usado pelas empresas para as demissões em massa). O mais importante é que esses demitidos serão absorvidos pelo mercado. Talvez os mais jovens que foram contratados com salários hipertrofiados, tenham alguma dificuldade. Estava impossível para as empresas brasileiras competirem por mão de obra até agora e essa pode ser uma boa oportunidade”, completa Franco.