Floresta que circunda a rodovia Br-319 é alvo de degradação ambiental

A rodovia BR-319 percorre cerca de 885 km de Porto Velho, capital de Rondônia, a Manaus, a maior cidade da Amazônia.
O presidente Jair Bolsonaro prometeu pavimentar a parte da BR-319 que atravessa a região sul do estado do Amazonas para facilitar o transporte de madeira — e, eventualmente, soja — dessa região remota e com floresta densa.
Ambientalistas e pesquisadores dizem que essa notícia encorajou forasteiros a invadir e desmatar ilegalmente grandes áreas de floresta intacta.
Dados e imagens de satélite mostram que o desmatamento aumentou ao longo da parte sul da estrada em 2021, incluindo o interior e o entorno de áreas protegidas.
No extremo sul do estado do Amazonas, a 700 quilômetros de Manaus, pastagens começam a se multiplicar rapidamente em uma área antes ocupada pela floresta virgem. “Os municípios na fronteira do desmatamento estão sentindo uma pressão enorme”, diz Mariana Napolitano, chefe de ciência da WWF Brasil. Em um ciclo conhecido em toda a Amazônia, a floresta está dando lugar à “extração ilegal de madeira, seguida de corte e queima de pastagens e, eventualmente, a chegada da monocultura”.

Os quatro municípios que mais desmatam na região (Lábrea, Humaitá, Canutama e Tapauá, todos próximos à divisa de Rondônia) registraram juntos cerca de 330 mil alertas de perda de cobertura arbórea até agora este ano, de acordo com dados de satélite da Universidade de Maryland visualizados no Global Forest Watch, totalizando 14% aumento em relação ao mesmo período em 2020. Isso reflete um ataque mais amplo à Amazônia brasileira: o desmatamento subiu 51% em 11 meses, com 838 mil hectares de terra desmatados desde agosto passado, segundo dados do Imazon.

Ativistas atribuem a destruição da floresta à principal rodovia da região, a BR-319. A estrada percorre cerca de 885 km de Porto Velho, capital de Rondônia, a Manaus, a maior cidade da Amazônia. A rodovia foi construída na década de 1970 durante a ditadura militar no Brasil, mas, uma década depois, o mau estado de preservação prevaleceu. Partes dela, como o trecho no sul do Amazonas, nunca foram pavimentadas.

Agora, forasteiros que invadem a área apostam nas promessas do presidente Jair Bolsonaro de finalmente pavimentar parte da BR-319, trazendo prosperidade e desenvolvimento a esse recanto do estado. A esperança, dizem as fontes locais, é que o asfalto facilite o transporte de madeira — e, eventualmente, soja — dessa região remota e ainda com floresta densa.

Mas ambientalistas soaram o alarme, informando que o aumento das invasões está ameaçando as dezenas de áreas protegidas espalhadas ao redor da rodovia, bem como as comunidades tradicionais e indígenas que dependem da floresta para sua sobrevivência.

A rodovia corta cerca de 13 municípios que abrigam 41 unidades de conservação e 69 reservas indígenas. A área também abrange territórios que ainda aguardam demarcação, bem como locais que abrigam povos indígenas afastados que vivem em isolamento voluntário do mundo exterior.

As invasões também sinalizam o avanço do chamado Arco do Desmatamento, uma faixa em forma de meia-lua que percorre as bordas sul e leste da Amazônia brasileira, onde o agronegócio consumiu vastas áreas de floresta tropical.

“O que está acontecendo nessa região é uma tragédia que se previa”, alertou Virgilio Viana, superintendente da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e ex-secretário de Meio Ambiente do estado. “Não é uma surpresa. Há anos que estamos alertando sobre isso… E assim que a BR-319 for pavimentada, as invasões vão explodir”.

Estrada para a destruição
Os planos para pavimentar esse trecho da BR-319 não são novos, mas foram bloqueados há anos por um complexo processo de licenciamento que visa avaliar o impacto da estrada na rica biodiversidade que a circunda e nas comunidades que vivem na região.

O Ibama e a Funai estão atualmente revisando os impactos potenciais da pavimentação dessa parte da estrada. Mas ambientalistas alertaram que isso tornará a área mais acessível aos invasores, levando a mais invasões ilícitas na floresta.

“Hoje, a extração de madeira é relativamente difícil porque a estrada é muito ruim”, explicou Viana. “Portanto, é uma barreira. A melhoria da estrada tornará economicamente viável a extração de madeira em maior escala, em áreas onde hoje ainda não é possível”.

Mesmo assim, embora o projeto ainda não tenha sido aprovado, Bolsonaro já assinou contrato com uma construtora no ano passado para a pavimentação de um trecho de 52 quilômetros da BR-319, conhecido como Lote C. No início deste ano, ele anunciou que as obras seriam iniciadas em 2022.

“Só o anúncio do projeto já cria esse clima e acelera a ocupação da região”, diz Fernanda Meirelles, secretária-executiva do Observatório BR-319, coalizão de ONGs brasileiras e internacionais que monitora o desmatamento ao longo da rodovia. “Algumas áreas protegidas já estão sendo invadidas e estamos observando uma grande especulação imobiliária”.

Já há sinais de que as áreas protegidas no entorno estão sentindo o impacto. Uma pesquisa recente mostrou que o desmatamento no entorno da BR-319 aumentou 25% em 2020 e que a pavimentação da estrada resultará em cerca de 170 mil quilômetros quadrados de perda de floresta até 2050. Foram registradas invasões em pelo menos meia dúzia de unidades de conservação sob proteção federal ou estadual, incluindo a Reserva Extrativista de Canutama, a Floresta Nacional Balata-Tufari e a Floresta Estadual Tapauá.

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