O governo da Itália aprovou na noite desta segunda-feira (5) um novo decreto-lei de imigração e segurança que reescreve algumas normas antimigrantes que haviam sido estabelecidas na gestão do líder de extrema direita Matteo Salvini como ministro do Interior (2018-2019).
A revogação dos chamados “Decretos Salvini” era uma promessa da coalizão formada pelo antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) e por partidos de centro-esquerda em setembro de 2019, mas foi oficializada apenas agora, depois de realizadas todas as eleições de 2020 no país.
Até o presidente da República, Sergio Mattarella, que geralmente se abstém do debate político, havia alertado o Parlamento sobre a existência de problemas nos dois decretos de imigração e segurança editados por Salvini em seu período como ministro.
Os pilares dos decretos do líder de extrema direita eram o fim da permissão de estadia por motivos humanitários e o estabelecimento de multas de até 1 milhão de euros para ONGs cujos navios entram em águas territoriais italianas sem autorização.
O novo decreto do governo restabelece a permissão de estadia humanitária e reduz as penas máximas contra organizações não governamentais para 50 mil euros. Além disso, os navios de ONGs só serão impedidos de transitar em águas italianas se não comunicarem Roma e seu país de origem sobre suas operações.
Também foram eliminadas sanções administrativas contra as entidades, incluindo o confisco do navio. Por outro lado, foi mantida uma pena de até dois anos de prisão para quem violar normas contra o tráfico marítimo de humanos ou apresentar riscos à “segurança pública”.
Permissão de estadia
Os “Decretos Salvini” aboliram a permissão de estadia por motivos humanitários e impediram que estrangeiros se inscrevessem no registro civil das cidades quando as autorizações concedidas anteriormente expirassem, jogando milhares de migrantes na ilegalidade.
A proteção humanitária é uma das três formas de tutela garantidas a estrangeiros na Itália, ao lado do refúgio e da proteção subsidiária, que são regulamentadas por convenções internacionais das quais o país é signatário.
Com o novo decreto, permissões humanitárias poderão ser convertidas por permissões de trabalho, o que garantirá uma situação mais estável para estrangeiros no país.
A iniciativa do governo também permite o acesso de solicitantes de refúgio ao sistema nacional de acolhimento, que havia sido restringido por Salvini apenas a refugiados, ou seja, a pessoas já com a proteção confirmada pela Justiça italiana – os processos para concessão de refúgio costumam durar anos.
Além disso, foi reintroduzida a proibição de expulsar estrangeiros para países que apresentem riscos de “tratamentos desumanos ou degradantes”, como tortura. Na prática, isso impede a repatriação de migrantes para nações como a Líbia, onde há inúmeras denúncias de violações dos direitos humanos de deslocados internacionais.
“Os decretos propaganda de Salvini não existem mais. Queremos uma Itália mais humana e segura”, escreveu no Twitter o governador do Lazio e líder do centro-esquerdista Partido Democrático (PD), Nicola Zingaretti.
Já o ex-ministro do Interior disse que o governo prefere “desmontar” do que “construir”. “Pelo que eu li, vou chamar de ‘decreto dos clandestino'”, declarou. O decreto-lei é um instrumento similar à medida provisória brasileira e passa a valer imediatamente, mas precisa ser aprovada pelo Parlamento em até 60 dias para continuar em vigor.
Desde o início do ano, a Itália já recebeu 24.435 migrantes forçados via Mediterrâneo, crescimento de 210% em relação ao mesmo período de 2019.
Mais da metade é proveniente de dois países: Tunísia (9.975), no norte da África, e Bangladesh (3.261), na Ásia. Ainda assim, os números estão longe do auge da crise no Mediterrâneo Central. Em 2016, pico da emergência migratória, a Itália acolheu 181,4 mil deslocados internacionais resgatados no mar.