Quando participamos de uma rede social, não estamos consumindo um produto: nós somos o produto. E é aí que mora o problema. Em seu livro “Zucked”, Roger McNamee expõe claramente essa relação. “Para que seu modelo de negócios funcione, plataformas de internet como Facebook e YouTube inverteram a tradicional relação da tecnologia com os seres humanos. Em vez da tecnologia ser um instrumento a serviço da humanidade, são os seres humanos que estão a serviço da tecnologia.” Empresas como Facebook, por meio do uso constante de inteligência artificial, são capazes de entender e, em muitos casos, manipular o cérebro humano. McNamee complementa: “Anos colecionando likes, compartilhamentos, postagens e comentários ensinaram a inteligência artificial do Facebook a monopolizar a nossa atenção.”
McNamee teve uma relação muito próxima a Zuckerberg, tendo sido seu mentor e conselheiro desde 2006. Investidor na companhia antes do IPO, era admirador ferrenho da empresa e do seu modelo de negócios. Tudo mudou em 2016, quando percebeu que o poder quase mágico que a empresa exerce sobre os nossos instintos, além de nos compelir a consumir produtos e serviços, pode também ser usado para manipular eleições.
A plataforma foi, de fato, utilizada na eleição de 2016. Reconhecidamente, a empresa Cambridge Analytica teve acesso a dados de mais de 50 milhões de usuários, utilizando-os para criar campanhas de marketing com anúncios direcionados a fim de influenciar eleitores. Existe muita dúvida em relação ao que foi feito sobre a proteção de dados desde esse episódio. Certamente, depois de toda a consternação criada, alguns passos foram tomados. Se foram suficientes e se estão sendo, de fato, executados, não se sabe com certeza. Vamos ter que acreditar em Zuck, e no que ele diz que fez.
Entretanto, mais do que a proteção de dados, o grande calcanhar de Aquiles é o que se pode fazer com eles quando caem nas mãos erradas. Deixar circular conteúdo que pode ser mentiroso, exagerado, enviesado e potencialmente produzido para que o usuário seja influenciado a fazer algo é deixar o espaço aberto para experiências sociológicas eticamente execráveis. Não fazer nada a respeito pode ser a atitude empresarial correta no curto prazo, mas destrói valor no longo prazo. Além de indignar o usuário, é uma atitude que convida os reguladores a se dedicarem, com afinco, a investigar, esmiuçar e regular o seu negócio.
O Google já está sofrendo pressão: o departamento de justiça e os secretários de quase todos os estados americanos abriram inquéritos para investigar alegações de que a empresa teria violado as leis antitruste. Zuckerberg e sua número dois, Sheryl Sandberg, não podem colocar o pé no Canada e na Grã-Bretanha sob risco de serem imediatamente levados a depor na Câmara dos Comuns dos dois países sobre o caso da Cambridge Analytica. Zuck e Sheryl também estão sofrendo pressão crescente dos próprios funcionários.
Vendi minha última ação do Facebook em 2015, ao redor de US$ 100. Hoje o papel negocia a US$ 230. Me arrependi? Não. Deixei de confiar na gestão, simples assim. Tive oportunidade de investir em empresas tão boas ou melhores, e que se comportam de maneira responsável com seus clientes, funcionários, fornecedores e a comunidade em geral. Como a Apple, por exemplo. Zuckerberg e Sandberg são brilhantes e têm todo o potencial de perceber que estão no caminho errado. Caso contrário, tenho certeza que a verdade lhes será, involuntariamente, arbitrada. E vai doer.