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Meninas vítimas de estupro poderão ser examinadas por legistas homens, decide STF

STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu, nesta quarta-feira (13), uma medida cautelar para suspender trecho de lei do estado do Rio de Janeiro que obriga que menores de idade vítimas de estupro do sexo feminino sejam examinadas por perito legista mulher.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou a constitucionalidade da lei estadual n.º 8.008/2018-RJ, que instituiu o Programa de Atenção às Vítimas de Estupro. Aprovada em junho do ano passado, a norma estabelece que “sempre que possível, a vítima do sexo feminino será examinada por perito legista mulher, exceto em caso de menor de idade do sexo feminino, que deverá ser, obrigatoriamente, examinado por legista mulher”.

A PGR argumenta que apenas a União poderia legislar sobre questões de direito penal e que a regra ofende o direito de menores de acesso à Justiça além de princípio da proteção integral e prioridade absoluta.

Por causa da restrição, legistas não estão realizando as perícias no tempo adequado, de acordo com a PGR. Por esse motivo, até que o STF julgue a constitucionalidade em si da lei, a  procuradoria pediu que o tribunal conceda uma medida cautelar para suspender a norma fluminense.

A limitação tem prejudicado o andamento dos trabalhos no Rio porque faltam mulheres legislas. “É algo que está acontecendo diariamente. A vítima chega e, quando não tem médica, temos que orientar que ela vá para a capital, mas na prática muitas acabam desistindo”, afirmou à Folha de S. Paulo, Raphael Câmara, conselheiro do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) e perito no IML (Instituto Médico Legal) de Niterói, na região metropolitana.

A Polícia Civil não informou à Folha quantos legistas existem no estado nem qual é a proporção feminina, mas funcionários estimam que elas representem cerca de 20% do efetivo. Quase 70% das 4.173  vítimas de estupro no RJ em 2017 tinham menos de 18 anos, segundo a reportagem.

“As vítimas de estupro, meninas, quando são conduzidas ao serviço pericial, têm a perícia recusada porque os médicos peritos dizem que estão impedidos de fazer o exame por conta dessa lei”, disse Raquel Dodge.© NurPhoto via Getty Images “As vítimas de estupro, meninas, quando são conduzidas ao serviço pericial, têm a perícia recusada porque os médicos peritos dizem que estão impedidos de fazer o exame por conta dessa lei”, disse Raquel Dodge.

Proteção a vítimas de estupro

Relator da ADI (Ação direta de inconstitucionalidade) 6039, o ministro Edson Fachin atendeu ao pedido de cautelar e estabeleceu que o exame de perícia será feito por outra mulher nesses casos apenas se não causar “retardamento ou prejuízo da diligência”.

A preferência para meninas vítimas de estupro será de atendimento por mulheres, mas, caso não seja possível, serão atendidas por legislas homens. A mudança vale para os próximos processos para não anular os antigos.

O magistrado não entendeu que há inconstitucionalidade quanto ao estado do Rio legislar sobre questões penais porque a competência é compartilhada, no seu entendimento. Esse entendimento foi seguido pela maioria, vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Marco Aurélio.

No julgamento, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge reconheceu que a lei de 2018 tinha o “excelente propósito” de  proteger vítimas de estupro durante ato de exame pericial obrigatório. “A norma vinha em socorro das vítimas e não em detrimento delas”, afirmou.

Dodge apontou, contudo, que a realidade do serviço de perícia e quantidade desse tipo de crime causou um efeito inesperado e dificuldade de acesso à Justiça. “As vítimas de estupro, meninas, quando são conduzidas ao serviço pericial, têm a perícia recusada porque os médicos peritos dizem que estão impedidos de fazer o exame por conta dessa lei”, afirmou.

Ex-secretário de Segurança do estado de São Paulo, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a mudança “bagunçou totalmente a questão de perícia no Rio de Janeiro” e prejudicou as vítimas, uma vez que o exame após violência sexual precisa ser feito com agilidade.

Moraes lembrou que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) irá analisar uma mudança para evitar as consequências danosas da lei. Ele reconheceu também usurpação de competência da União.

O ministro sugeriu uma alteração para trocar a expressão “obrigatoriamente” por “preferencialmente” em relação à atuação de mulheres legistas nesses casos.

"As vítimas de estupro, meninas, quando são conduzidas ao serviço pericial, têm a perícia recusada porque os médicos peritos dizem que estão impedidos de fazer o exame por conta dessa lei", disse Raquel Dodge.© ASSOCIATED PRESS “As vítimas de estupro, meninas, quando são conduzidas ao serviço pericial, têm a perícia recusada porque os médicos peritos dizem que estão impedidos de fazer o exame por conta dessa lei”, disse Raquel Dodge.

Dizer que é prejudicial à vítima ser atendida por médico legista homem é ofensivo aos próprios médicos legistas.Minsitro Alexandre de Moraes

Em resposta, a ministra Cármen Lúcia, lembrou que o objetivo da norma era dar maior conforto à vítima por ser atendida por alguém que tenha maior empatia pela situação de violência sexual.

O preconceito é enorme contra nós, mulheres.Ministra Cármen Lúcia

O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, descartou como solução determinar a contratação de mais mulheres legistas devido à situação fiscal do Rio. “Mandar estado contratar nessas circunstâncias seria mais inconstitucional ainda porque agravaria o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou.

A Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, sustentou, em parecer, que a lei é inconstitucional porque caberia à União legislar sobre esse tema.

VIA: Huffpost | Por: Marcella Fernandes | Foto: ASSOCIATED PRESS

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