Em meio ao frio, população em situação de rua tem cobertores apreendidos

Enquanto as madrugadas de inverno castigam com frio intenso, pessoas em situação de rua no Rio de Janeiro enfrentam não apenas a queda nas temperaturas, mas também ações da Prefeitura que agravam ainda mais sua vulnerabilidade. Em operações realizadas por agentes da Secretaria de Ordem Pública (Seop) e da Comlurb, pertences e cobertores usados por quem dorme nas ruas têm sido recolhidos sob o argumento de “manutenção da ordem urbana”.

A cena se repete: pessoas acordadas à força, cobertores e colchões sendo levados, e o pouco que restava sendo jogado em caminhões de lixo. Para quem já perdeu quase tudo, a ação representa mais do que uma simples retirada — é uma nova forma de violência institucional. Enquanto isso, as promessas da Prefeitura de ampliar vagas em abrigos e intensificar o acolhimento social não se materializam de forma eficaz.

Os centros de acolhimento oferecidos são rejeitados por muitos. Relatos recorrentes apontam falta de segurança, regras rígidas, separação de casais e impedimentos para permanecer com animais e pertences pessoais. Além disso, as vagas disponíveis estão longe de ser suficientes para atender às milhares de pessoas que vivem nas ruas da cidade.

Organizações sociais e moradores têm denunciado o que chamam de “higienização da pobreza”, mascarada de ação urbana. Voluntários e entidades afirmam que, em vez de garantir proteção e cuidado em noites frias, a Prefeitura tem optado por remover os sinais visíveis da miséria, como se isso resolvesse a exclusão social. “Eles não oferecem abrigo digno, mas tiram o cobertor. É como expulsar da rua quem já não tem para onde ir”, relata um ativista que atua no Centro.

Em contrapartida à ausência do poder público, são os grupos civis que têm desempenhado o papel de acolher: distribuindo comida quente, roupas e, principalmente, escuta. Com recursos próprios, esses voluntários conseguem alcançar lugares que o Estado ignora.

Segundo dados oficiais, mais de 8 mil pessoas vivem hoje em situação de rua no município. E embora o número seja alarmante, não há sinais de investimento em políticas duradouras que ofereçam moradia, atendimento de saúde mental, capacitação ou reinserção social.

A cada nova madrugada gelada, o Rio de Janeiro revela uma face dura e incômoda: a de uma cidade que prefere esconder a pobreza em vez de enfrentá-la. Retirar cobertores não é cuidado — é crueldade. E, no silêncio das ruas frias, a ausência do Estado ecoa mais alto do que o vento.

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